10
Ago 12

A revitalização das cidades e a cultura (artigo de opinião de José Jorge Letria)

A revitalização das cidades e a cultura

Por José Jorge Letria

http://jornal.publico.pt/noticia/10-08-2012/a-revitalizacao-das-cidades-e-a-cultura-25049620.htm

Basta ver a forma como os londrinos integraram William Shakespeare no circuito turístico-cultural que rodeia os Jogos Olímpicos para se perceber até que ponto a cultura pode contribuir para que uma grande cidade atraia públicos diversificados e alargue os horizontes e interesses de quem a visita por razões predominantemente desportivas. Mas também se poderia falar de Charles Dickens e do modo como está a ser comemorado em Londres o bicentenário do seu nascimento.

A verdade é que não é preciso dar como referência esta Londres olímpica para se demonstrar aquilo que é um facto há muito adquirido. Articulada de forma criativa e apelativa com a oferta turística, a cultura cria riqueza, emprego e fortalece as identidades locais, regionais e nacionais.

Outro exemplo a ter em conta é o de Genebra, que comemora da forma discreta que caracteriza tudo que os suíços fazem os 300 anos do nascimento do filósofo Jean-Jacques Rousseau, ao mesmo tempo que reforça o interesse dos visitantes pelo CERN, onde a descoberta da "partícula de Deus" reabriu o debate cada vez mais actual sobre a relação entre ciência e religião e sobre o modo como o infinitamente pequeno confrontado com o infinitamente grande nos deve levar a repensar muitas ideias feitas sobre a origem do Universo.

Mas voltemos a Rousseau, cujo contributo para modificar as concepções relacionadas com a organização da sociedade, com o papel da educação e com a própria ideia de revolução veio marcar toda a evolução do pensamento filosófico. Genebra celebra a obra e a vida desse ilustríssimo conterrâneo com uma grande exposição repartida por três espaços nobres da cidade que, sob o título genérico Vivant ou Mort, põe em destaque a relação do autor de O Contrato Social com os seus amigos e inimigos, mas também o egoísmo e a misoginia que marcaram a sua existência como homem e o levaram a abandonar os cinco filhos cuja paternidade nunca negou. Grandezas e misérias das grandes figuras da humanidade.

A avaliar pelo número de eventos promovidos em torno desta comemoração e pela quantidade de visitantes, poderá afirmar-se que Rousseau está ajudar Genebra a sentir ainda menos a crise que aflige tantas outras cidades desta Europa atormentada por crescentes incertezas e temores.

Mas, na mesma linha de pensamento, poderá dizer-se que Lisboa, à semelhança do que tem feito com reconhecido êxito Dublin com nomes como James Joyce ou Oscar Wilde, entre outros, tem condições para tirar muito mais partido da crescente popularidade internacional de Fernando Pessoa, escritor de génio que os turistas culturais procuram, nesse sossego desassossegado de quem gosta de encontrar nas cidades pelas quais se apaixona sinais que os remetem para os livros traduzidos que trazem na bagagem das suas descobertas e errâncias.

Há sempre mais a fazer quando se trata de colocar os pilares da cultura das cidades e dos países ao serviço da sua promoção internacional e da sua recuperação económica. Recentemente, o ministro do Património e da Herança Cultural da Irlanda revelou que cerca de 65% dos turistas que visitam a Irlanda o fazem movidos por interesses de índole cultural. Tendo-se presente estes factos e números, é forçoso reconhecer que esta Europa angustiada pela asfixia que a ditadura dos mercados financeiros lhe vai impondo deverá contar muito mais com a cultura para sobreviver, fornecendo a quem a cria e promove as condições materiais, fiscais, legislativas e organizativas para que esse desígnio seja cumprido para além da retórica mais ou menos circunstancial das boas intenções, que nunca chegaram para se ganhar o Céu.

 

publicado por JCM às 11:07 | comentar | favorito
24
Mai 12

Cultura (artigo de opinião de Daniel Oliveira)

http://expresso.sapo.pt/para-acabar-de-vez-com-a-cultura=f728183#ixzz1vnnXsO00

 

Os subsídios à cultura têm três funções: desenvolvimento económico, defesa da liberdade de escolha e promoção da soberania cultural.

Comecemos pelo desenvolvimento económico.

Quando andei pela Islândia a preparar a reportagem que a revista do "Expresso" publicou há 15 dias visitei uma empresa que se tem saído muito bem nesta crise. A CCP, criada em 1997 por três jovens, é responsável por um jogo online com tanta gente registada como toda a população da Islândia. Como as suas receitas são em moeda estrangeira, não foi afectada pela desvalorização da coroa. Como tudo o que faz é exportar um serviço, não foi afectada pela crise no mercado interno. Como exporta um bem imaterial, o isolamento do país não a afecta. Como tudo o que precisa é de uma mão de obra altamente especializada, tem na Islândia o excelente lugar para trabalhar.

A CCP é hoje a maior empresa instalada no porto de Reiquiavique e tem escritórios em Atalanta, Xangai e Newcastle. É maior do que as maiores empresas de pescas do País, o ganha pão mais seguro dos islandeses. Compreensivelmente, o Presidente da Islândia, Ólafur Grímsson, deposita muitas esperanças neste sector. Disse-me, na entrevista que então lhe fiz: "Vemos jovens a abrir empresas, a fazer investigação, a trabalhar nas artes, na música, no design, no cinema, na literatura, na tecnologias de informação, e percebemos que temos uma vida mais vibrante nos últimos três anos do que nos anteriores. O sucesso das economias no século XXI não dependerá do sector financeiro, mas dos sectores criativos."

Também por cá, o sector da tecnologias de informação e do entretenimento é tratado, em discursos de circunstância de muitos políticos, como fundamental para termos algum futuro económico que não dependa de salários baixos. Regresso então à sede da CCP, onde tive uma interessante conversa com um dos responsáveis pelas relações públicas da empresa. Dizia-me Eldor Astthorsson: "A indústria IT não cresce num país onde não haja muita atividade cultural tradicional. É a ela que vamos buscar os músicos, os guionistas, os estilistas, os desenhadores e os realizadores que fazem os nossos jogos. Os computadores não chegam para garantir a indústria de entretenimento".

E isto não se aplica apenas à indústria dos jogos de computador. Não há indústria do calçado, do têxtil ou do mobiliário que sobreviva sem bons designers. E não há bons designers sem bons artistas plásticos. Não há desenvolvimento das telecomunicações, dos novos media e do entretenimento sem conteúdos. E não há conteúdos sem desenvolvimento das artes. Não há turismo competitivo sem atividades culturais. E não há atividades culturais, incluindo as do puro entretenimento, sem cinema, teatro, literatura. Não há cinema comercial sem o experimentalismo do cinema de autor. Não há marketing sem publicidade, não há publicidade sem realizadores e guionistas.

O sector cultural e criativo representava, em 2010, 3,4% do comércio mundial. Em Portugal gerava 2,8% da riqueza e dava emprego a 126 mil pessoas. Neste sector estão incluídas muitas atividades, que vão do património à publicidade. Mas o combustível desta gigantesca indústria em crescimento são as atividades culturais nucleares: o cinema, a literatura, o teatro, a dança. Sem elas, o motor para. E a criatividade que pode alimentar a economia também.

Se os sucedâneos comerciais das atividades criativas têm retorno quase imediato, o mesmo não acontece com as atividades culturais de que se alimentam. Todos os países desenvolvidos do mundo, EUA incluídos, têm financiamento público à criação artística. E se isto é verdade em países com mercados de alguma dimensão, em países do tamanho de Portugal deveria ser indiscutível. Assim como o apoio público à Investigação e Desenvolvimento não tem retorno imediato mas é central para o desenvolvimento económico e social de qualquer país, o apoio à cultura é prioritário para quem não queira condenar uma sociedade ao subdesenvolvimento económico, social e cultural. Os subsídios à cultura não são uma esmola. São um investimento. Um pequeníssimo investimento, para dizer a verdade. Talvez dos investimentos públicos onde a relação entre o que é gasto e o retorno final é mais favorável.

Quanto à defesa da liberdade de escolha, a coisa é ainda mais simples de perceber.

O Estado não tem gosto. Não escolhe o que é bom e o que é mau. Sabe apenas uma coisa: se deixarmos a cultura apenas ao mercado só teremos acesso ao que tenha retorno financeiro imediato. E o que tem retorno imediato é o que agrada ao máximo de pessoas pelo mínimo investimento possível. E, acima de tudo, o que represente menor risco. A produção com intuitos meramente comerciais é, por natureza, conservadora e avessa ao risco. Inova pouco porque se dirige ao gosto mainstream. Isso não tem mal nenhum. Eu gosto de filmes comerciais. Mas se ficarmos por aí nem os filmes comerciais sobrevivem.

É comum dizer-se que devem ser as pessoas a escolher o que querem ler, ouvir e ver. Assino por baixo. Não tenho a arrogância de pensar que o que eu gosto é melhor do que o gosto dos outros. Apenas sei que se não houver uma política pública para garantir a diversidade ela morre. E eu, como todos os outros, deixo de ter a possibilidade de escolher. Apenas posso ler, ouvir e ler o que a maioria quer ler, ouvir e ver.

Ponho a coisa assim: sem investimento público (seja de Estados, seja de monarcas ou instituições mais ou menos públicas), não teríamos podido ouvir Bach ou contemplar grande parte do nosso património arquitectónico. E sem isso, até a nossa música comercial e arquitetura mais acessível seriam hoje muito mais pobres. Resumindo: o investimento público na cultura é a única forma, sobretudo num país da dimensão de Portugal, de garantir a liberdade de escolha que os absolutistas do mercado dizem defender.

Por fim, a soberania cultural.

Talvez não se saiba, mas, depois do futebol e das praias, a literatura e o cinema portugueses são, de longe, os melhores embaixadores do País. Fica bem desprezar Manoel de Oliveira e João César Monteiro. Mas vão por essa Europa fora e ficarão a saber que são bem mais conhecidos do que a esmagadora maioria das nossos banqueiros ou estadistas. Claro que saem mais caros que um Saramago ou um Lobo Antunes. Apenas porque o cinema exige um investimento dispensável na escrita. Mas um país sem criadores é um país que não existe. Porque nada tem a acrescentar a um mundo globalizado. Não existe na economia, não existe na política, não existe na diplomacia.

O cinema português assistiu a um corte de 100% de investimento público. Nenhum outro sector vive tal sangria. Neste momento, nenhum dinheiro público (que resulta de taxas sobre a publicidade e não, como muitos julgam, do Orçamento do Estado) está a ser canalizado para a produção cinematográfica. Assistimos, na música (os membros da Orquestra Metropolitana de Lisboa estão hoje em greve, garantindo eventos culturais à população de borla), no teatro e na dança ao mesmo tipo de desinvestimento público que está a levar a criação cultural à penúria absoluta. O estado de falência é generalizado. Dirão: no meio desta crise económica, o que interessa? Interessa tudo. Isto, claro, se alguma vez quisermos sair do subdesenvolvimento político, económico e social que nos atrasou e nos deixou tão vulneráveis a esta crise.

Tenho lido, pacientemente, muitos disparates sobre os subsídios ao cinema e à cultura. Muito resulta de pura ignorância. Noutros casos, trata-se de ressentimento social e cultural. Noutros ainda, de populismo barato, num país onde a palavra "intelectual" é usada como insulto. Sobre os prémios internacionais recebidos pelos realizadores João Salaviza e Miguel Gomes, houve mesmo quem tivesse escrito que se tratavam de subsidiodependentes de "chapéu na mão" incapazes de captar investidores internacionais para o seu trabalho. Dá-se o caso de "Rafa" e "Tabu" terem conseguido, antes dos prémios que receberam, financiamento francês, alemão e brasileiro. Porquê? Porque há países que sabem o que andam a fazer. Passaram, por assim dizer, à fase da maioridade. Investir na cultura (incluindo na produzida por estrangeiros) é visto como uma indiscutível prioridade política. Aqui, pelo contrário, desprezar os artistas e tratá-los como pedintes mimados rende muito aplauso fácil. Pagaremos cara tanta ignorância atrevida.

Daniel Oliveira

Ler mais: http://expresso.sapo.pt/para-acabar-de-vez-com-a-cultura=f728183#ixzz1vns0tQ3P

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24
Nov 11

Red(e) Ibero-americana Território & Economia Cultural e Criativa | Territorio & Economía Cultural y Creativa - Recolha de Projetos Relevantes - Recogida de Proyectos Relevantes

A Rede Ibero-americana Território & Economia Cultural e Criativa está a desenvolver a um exercício colaborativo que consiste numa recolha de informação sobre projectos relevantes relativos aos temas dos 'Territórios, Comunidades e Economia Cultural e Criativa'.

Se desejar participar no exercício utilize o formulário abaixo indicado (http://industriasculturaisecriativas.blogs.sapo.pt/14710.html).

 

Para mais informações consulte o link http://industriasculturaisecriativas.blogs.sapo.pt/ ou inscreva-se na mailing-list https://groups.google.com/group/industrias-culturais-e-criativas. Se desejar contactar os membros da rede pode fazê-lo através do email  industriasculturaisecriativas@gmail.com 

 

Red(e) Ibero-americana Território & Economia Cultural e Criativa | Territorio & Economía Cultural y Creativa

Recolha de Projetos Relevantes - Recogida de Proyectos Relevantes

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27
Jul 11

O futuro

O escritor português valter hugo mãe, assim em minúsculas como ele gosta de escrever, apresentou recentemente na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) um belo texto sobre a sua relação com o Brasil (ver carta lida aqui).

Nesse texto, e a propósito das 'novelas', o autor descreve os brasileiros que nos anos oitenta vinham para Portugal (e que já conheciam o final das histórias) como uma espécie de 'adivinhos... gente que via coisas do futuro, gente que viveu o futuro' e que se juntava 'a nós para reviver o passado'. Por causa disso, tornavam-se especiais e a sua opinião 'para cada decisão' era escutada com atenção.

Esta história é muito interessante porque é uma boa metáfora do que precisamos fazer quando se trata de pensar o futuro e que passa por pedir aqueles que já viveram 'futuros diferentes' (e que conhecem alguns dos seus 'segredos') que partilhem connosco essas histórias.

O Brasil tornou-se ao longo dos tempos, e para muitos assuntos, uma espécie de 'bola de cristal' e de 'balão de ensaio' de 'futuros desejados' (como referia recentemente areputada investigadora britânica Doreen Massey). No domínio das artes e da cultura a já citada FLIP, organizada na cidade de Paraty, o Festival Jazz & Blues do Ceará ou oMuseu de Arte Contemporânea de Niterói são exemplos de apostas robustas e qualificadoras do 'presente' merecedores de particular atenção e investigação (*), quer por nos revelarem aspectos de um 'futuro possível' em momento de crise e de incerteza, quer por ousarem desenvolver-se fora dos grandes centros urbanos.

A rede ibero-americana de reflexão sobre 'economia criativa, da cultura e das artes' e 'territórios criativos' (**) que estamos a construir vai um pouco nesse sentido, da vontade de construir um 'futuro com diferentes possibilidades' a partir de um olhar sobre o potencial da relação entre as 'artes, a cultura, a economia e o território'.

Esta rede informal mobiliza já, neste momento,  mais de trezentos cidadãos de ambos os lados do Atlântico e pretende constituir-se como um espaço de reflexão sobre conceitos e de partilha de experiências e projectos que nos ajudem a desbravar 'novos futuros' a partir de um olhar Ibero-Latinoamericano.

Partilhemos, então, o 'futuro desejado'!

publicado por JCM às 13:18 | comentar | favorito
20
Dez 10

A propósito do texto de Sevcik

[comentário]


Completamente de acordo com SEVCIK. As receitas mágicas da Classe Criativa ou da Cidade Criativa, aplicadas a esmo servem, se servirem, apenas a operações de charme/marketing territorial de curto alcance.
O fundamento de uma viragem para a economia cultural e criativa radica na democracia cultural e criativa (bottom-up) e na diversidade. Isso exige uma visão política com uma forte componente de governância, transparência, informação pública e participação.
Nestes aspectos, segundo vários estudos ( Villaverde Cabral, Mozzicafreddo, A. Ribeiro, ...) as cidades médias e pequenas portuguesas estão ainda na idade média, a figura do "Cesarismo" paternalista ainda abunda...quantos presidentes de câmara/vereadores se julgam programadores e gestores culturais ? quantos decidem que a arte pública é uma coisa de rotundas ? quantos decidem o que é ou não é cultura? quantos pensam que "cultura" é uma flor na lapela...
Como não acredito em saltos quânticos em matéria politico-social-cultural, só quando começarmos a fazer o trabalho de casa, desde o princípio e sem batota, é que poderemos ambicionar a ter uma vitalidade cultural urbana interessante, um tecido criativo activo e crítico, enfim uma atmosfera cultural e criativa regular e presente no quotidiano. Sem isso, ficamos com uns espectáculos e umas festa de salão ao fim-de-semana para nos entreter...
A minha tentativa e proposta para uma política cultural, aqui (obviamente que não serve como modelo universal, foi pensada para Torres Vedras)

Rui Matoso

publicado por JCM às 22:13 | comentar | favorito