http://www.publico.pt/destaque/jornal/governo-quer-por-as-camaras-a-puxar-pela-economia-27274263
«Os autarcas que por estes dias tomam posse têm à sua espera um novo caderno de encargos. Esgotado o tempo e o dinheiro para o betão, o Governo pede-lhes que apostem na economia. Estará a caminho uma geração do Poder Local 2.0?
Castro Almeida, ex-presidente da Câmara de São João da Madeira e secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, tem uma visão sobre o futuro do poder local. Ele acredita que daqui a oito ou 12 anos a avaliação dos autarcas já não será feita pelo volume de obra, como até agora. Nessa altura, vislumbra, há-de falar-se mais "de patentes do que em licenças" e os autarcas valerão "pelos resultados da taxa de desemprego ou do PIB per capita [o rendimento médio por pessoa] dos seus concelhos". Sob o tecto do mesmo ministério, o secretário de Estado da Administração Local, António Leitão Amaro, está empenhado em que isso aconteça. O Governo, avisa, vai "criar incentivos para que os autarcas sintam que a sua principal missão é serem agentes de desenvolvimento local". O objectivo é "que olhem para os recursos e as necessidades, que criem condições para a instalação de mais empresas e mais emprego", diz o secretário de Estado.
Os presidentes que por estes dias tomam posse para um novo ciclo do Poder Local sabem que a festa das inaugurações tinha esmorecido no último mandato e que agora acabou de vez. "Hoje há muitos concelhos onde não falta nada. Só falta uma coisa: faltam pessoas. Este é um paradigma que temos de mudar", diz Almeida Henriques, o novo presidente da Câmara de Viseu eleito pelo PSD. As autarquias, que cumpriram o ciclo de infra-estruturação básica, têm de reinventar a sua missão.
Para o conseguir, vão ter de contornar as suas dificuldades financeiras. Se bem que entre final de 2012 e Julho deste ano, as autarquias tenham conseguido reduzir a sua dúvida global de 8065 milhões de euros para 6763 milhões (um desempenho muito melhor do que o do Estado Central), as suas contas estão longe de estar equilibradas. Há 110 câmaras sob a alçada do PAEL, um fundo de resgate do Governo a autarquias insolventes ou a caminho do incumprimento. E há custos de manutenção da obra feita que dificultam o seu saneamento financeiro - os relatos de piscinas e pavilhões fechados aumentam.
O Governo não vai criar bolsas de ar para a crise. Pelo contrário insiste no caminho da "gestão financeira moderna e eficiente", nas palavras de António Leitão Amaro. Depois da Lei dos Compromissos, que limita os gastos à disponibilidade de receita já cobrada - e não a receita esperada, como até agora -, o Governo aprovou nova legislação que limita a previsão das receitas imobiliárias à média dos três últimos anos.
No actual quadro, a aposta na economia une Governo e autarcas. "Há 20 anos os autarcas foram induzidos a fazer Planos Directores Municipais para gerir o território; os autarcas do futuro têm de se preocupar em fazer planos de desenvolvimento económico e social. Têm de saber como potenciar o seu tecido produtivo", diz Castro Almeida. Almeida Henriques subscreve: "O desenvolvimento económico não pode ser um problema apenas do poder central; as autarquias têm de se empenhar neste desafio". José Luís Carneiro, presidente de Baião e líder da Federação Distrital do Porto do PS, concorda, mas reclama "novas competências para que as autarquias possam valorizar os recursos locais". No seu entendimento, que o Governo não partilha, as autarquias, principalmente nas zonas menos desenvolvidas, deveriam poder funcionar "como alavanca, como locomotivas da iniciativa privada". A sua ideia contempla, por exemplo, a actuação autárquica nas fases iniciais da prospecção e desenvolvimento dos recursos minerais ou a agricultura; depois, os negócios seriam concessionados.
Esse esforço terá de ser feito sem acesso directo aos fundos do próximo quadro comunitário de apoio, que vigorará até 2021. Castro Almeida, o secretário de Estado que tutela o próximo ciclo de verbas europeias, insiste que a prioridade está nas empresas e na competitividade da economia, mas considera que esta "reorientação dos fundos estruturais não é preocupante para as autarquias". E explica: "O que está feito não precisa de voltar a ser feito. Não faz sentido que as câmaras continuem a fazer mais do mesmo", embora, reconhece, possa haver necessidade de fazer uma ou outra obra. Nos programas operacionais regionais que estão em fase de desenvolvimento haverá, porém, espaço para acções municipais de estímulo à economia. Incluindo os recursos humanos. "Pela primeira vez, nos programas regionais vai haver verbas do Fundo Social Europeu, que podem ser aplicadas na qualificação profissional e no emprego", diz o secretário de Estado.
Mas há desafios que, todos reconhecem, exigem uma escala supramunicipal. Casos do turismo ou da gestão florestal. Com a criação de regiões administrativas esquecida na Constituição, Miguel Relvas tentou dar um novo fôlego às comunidades intermunicipais, que criara em 2002 no Governo de Durão Barroso, concedendo-lhes um estatuto de autarquia, com uma comissão executiva eleita pelas assembleias municipais. Essa tentativa de criar um órgão capaz de articular as acções dos municípios em planos regionais acabaria por ser chumbada, em Maio, pelo Tribunal Constitucional. Em Setembro o Governo publicou nova legislação para suprir essa carência - prevê-se um secretariado executivo profissional e remunerado. "Não temos um edifício institucional com a robustez que tínhamos proposto inicialmente", reconhece Leitão Amaro. António Cândido Oliveira, director do Núcleo de Estudos de Direito das Autarquias Locais da Universidade do Minho, critica: "Em 1976 a Constituição acabou com os 18 distritos por considerar que não tinham escala; agora inventam vinte e tal comunidades. Não percebem que essas comunidades não têm escala para resolver problemas intermunicipais."
Ao mesmo tempo, o Governo tenta estimular as autarquias a apostar na economia através da nova Lei das Finanças Locais (promulgada em Agosto). Aí, os incentivos à cooperação entre câmaras terão direito a 0,3% das receitas dos impostos, correspondentes a 3% das receitas dos municípios. O Governo está ainda a trabalhar um "indicador sintético de desenvolvimento regional" que vai monitorizar e premiar os esforços das entidades intermunicipais.
O aumento da receita de IMI resultante das reavaliações dos imóveis, que ainda se fará sentir em 2014, vai em parte financiar um fundo de resgate de autarquias em dificuldade e servirá ainda para alimentar um fundo de investimento - uma iniciativa que tem merecido duras críticas por parte das autarquias com finanças mais saudáveis.
À margem de receitas e despesas, há quem acredite que as autarquias podem redobrar o seu papel na representação do Estado Central em todo o território. Com o fecho de um número crescente de serviços públicos na periferia, a criação de lojas municipais poderia suprir problemas, por exemplo, na área fiscal, diz José Luís Carneiro. Da mesma forma, aponta o autarca, as câmaras e as juntas de freguesia deviam ter novos papéis na gestão dos apoios da Segurança Social.
O Governo concorda. "Estamos a trabalhar em conjunto com Ministério nesse sentido. Queremos definir o que está ao nível das autarquias e o que está ao nível do Estado Central", diz Leitão Amaro. Depois do pacote de descentralização de José Sócrates na área da Educação, a Segurança Social promete ser a segunda vaga do processo»
http://www.publico.pt/local-lisboa/jornal/a-cidade-verde-25846216
A cidade é mais ecológica que o campo. É desta forma bastante provocadora que se intitula um dos textos do especial 25 Ideias Que Perturbam da revista Books. Um título impressionante de mais para passar incólume. Mas impressionante sobretudo porque bem capaz de ser verdadeiro. Desde há muito, e felizmente cada vez mais, que se pensa e trabalha em tornar as cidades mais verdes. Mas o que é uma "cidade verde"? Uma cidade com muitas árvores e jardins? Sim, mas muito mais que isso. Uma cidade verde é uma cidade onde a mobilidade é mais suave, mais colectiva e menos poluente; é uma cidade que consome bens cuja produção e distribuição é mais cuidada, mais próxima e mais orgânica; é uma cidade que trata com cuidado os seus detritos; é uma cidade que atende e reserva com atenção as suas energias e fontes vitais como o sol, a água, os alimentos. Mas não só. Mesmo se todos os edifícios forem ecológicos, se todas as mobilidades forem eléctricas, pode não chegar. Uma cidade verde deverá ser uma cidade com altas concentrações. Uma cidade densa e diversa. Peter Calthorpe, um dos pioneiros do "novo urbanismo", escola que defende as cidades compactas e ecológicas, escreveu: "a cidade é a forma de estabelecimento humano mais benigna para o ambiente". E um recente relatório das Nações Unidas dizia, de forma simples: "a concentração de população e de empresas nas zonas urbanas reduz consideravelmente os custos unitários da água corrente, dos esgotos e canalizações, das vias, da electricidade, da colecta de lixo, dos transportes, dos sistemas de apoio social e das escolas". Surpreendente? Não propriamente. A cidade é onde vive, ou onde gostaria de viver, a maioria dos seres humanos. Mas se há cidade, há também protocidade (ou urbanizações e afins sem completa diversidade de opções) e anticidade (casas, condomínios e urbanizações distantes e fechadas, quer para muito ricos quer para muito pobres, negação completa da vida social em pseudonome de vida urbana). Em nome de fazer cidade, têm-se feito das mais belas paisagens humanas, mas também das mais desprezíveis e separadas. Então densidade e diversidade de quê? De tudo: habitações e empregos, bens e serviços, propostas e opções. Oportunidades. E direitos. Perto. Próximos. Constantes. Seguros. Uma cidade verde será uma cidade que, para além de ter boas mobilidades e tecnologias de produção e de reserva de água e energia, em cada edifício e em cada horta, conterá ainda comunidades vibrantes, próximas e democráticas - e, assim, verdadeira e humanamente ecológicas. Uma grande e concentrada "biodiversidade" de desejos e de direitos. Utopia? Não me parece, algo até bastante real e prático, a acontecer em muitos locais. Se todos vivêssemos no campo, o mundo não seria mais ecológico. As densidades seriam tão baixas e espalhadas que o planeta ficaria rapidamente exaurido. O próprio campo desapareceria, consumido por mil desejos - o que tem aliás acontecido, e de forma séria. Para além de que teríamos outros resultados pouco simpáticos de uma supostamente idílica vida rural: menos cosmopolitismo, menos cidadania, menos democracia. Um dos primeiros termos da globalização, "a grande aldeia", nunca me convenceu. A solução está, assim, em vivermos em cidades, e em cidades verdes. Não todos, deve-se obviamente respeitar e apoiar quem queira viver no campo. Até porque o campo também necessita de ser ecológico, e ter portanto vida humana suficiente para se cuidar e atender. Os ecologistas - que no fundo deveremos ser todos - devem assim olhar de frente para a cidade. E acarinhá-la. Se é ao homem que compete a responsabilidade e a solução da sustentabilidade do planeta, é na cidade que estão as maiores questões e as melhores soluções. Na verdade, a cidade poderá não ser, na sua essência, mais verde que o campo. Mas terá que o ser, por necessidade e por desígnio. Da humanidade e do planeta. Geógrafo
Por Paulo Neto
http://jornal.publico.pt/noticia/25-09-2012/politica-de-cidades-economia-e-territorio-25305862.htm
Em 1400, Portugal olhou para o seu território, considerou-o demasiado pequeno para a dimensão das suas ambições e procurou expandi-lo pelo mundo. Ao fazê-lo, não só criou um império demasiado grande para ser possível governar, como essa opção o levou, várias vezes, a questionar a própria localização do seu epicentro territorial. No período de migração da corte para o Brasil no século XIX, e nos anos 50 do século passado, em outros exemplos, Portugal equacionou transferir, respectivamente, a sua capital para o Brasil e para Angola, sendo que, se o tivesse feito, Portugal seria hoje provavelmente um país da América Latina ou de África.
Nenhum outro país, de entre aqueles que tiveram experiências coloniais semelhantes à nossa, alguma vez questionou qual era o seu território-base. Portugal, sim. E talvez por isso mesmo, este país que empreendeu um projecto de expansão ultramarina que o levou a construir grandes cidades e infra-estruturas pelo mundo secundarizou, e muitas vezes pôs em causa, o seu próprio território de origem, e as suas necessidades de desenvolvimento, em virtude de não o tomar como prioritário. Esta realidade explica, em muito, o que é hoje o modelo de estruturação e organização espacial de Portugal e a forma como este evoluiu.
A partir do final dos anos 70 do século XX, Portugal voltou-se de novo para o seu território. E com o apoio do financiamento decorrente do processo de integração europeia que então iniciava, desenvolveu um conjunto de vagas de infra-estruturação ao nível do saneamento básico, da saúde, da ciência e da educação, da administração, e das acessibilidades e transportes. Mas, muita da rede urbana e do modelo de organização espacial do país já estava formatado por séculos de orientação ultramarina e de dúvidas sobre onde seria o futuro de Portugal. E a sua economia e as suas cidades resultaram pequenas e frágeis, sem escala, quando comparadas com muito do que Portugal realizou em vários continentes.
Nos últimos 30 anos, Portugal tentou recuperar do seu processo histórico. Reorientou-se para a Europa e quis ser europeu. E num contexto de abundância orçamental possível pelo apoio da Política de Coesão da União Europeia, foi sistemática a preocupação nacional com a requalificação dos espaços urbanos, com a revitalização dos centros históricos, com a regeneração de espaços desqualificados, e com a infra-estruturação física, económica, cultural e tecnológica, generalizada, das cidades.
Uma aposta na crescente e rápida urbanização do país, sem ter por base opções claras relativamente ao lugar, e ao papel, que se ambicionava para cada centro urbano no conjunto da rede urbana nacional, e sem salvaguardar mínimos de articulação entre as estratégias para a economia e as estratégias para o território. Uma abordagem assente na ausência de coordenação nacional, regional e inter-regional, em matéria de política de cidades e, por isso mesmo, geradora de novos mecanismos e dinâmicas acrescidas de concorrência e disputa de natureza intermunicipal, obstaculizando a afirmação de soluções alternativas de complementaridade e especialização. E também muito permissiva à sistemática opção pela reprodução mimética das mesmas soluções, um pouco por todo o território, com importantes consequências no que diz respeito à degeneração da especificidade e identidade de muitas cidades e lugares.
As cidades portuguesas, ou pelo menos partes importantes dos seus territórios, estão, por isso, a ficar cada vez mais iguais. Mais iguais quanto ao conjunto e tipologia de infra-estruturas e equipamentos que têm e que ambicionam ainda vir a ter; ao referencial de ideal de cidade pelo qual orientam os seus processos de decisão; às abordagens de requalificação dos espaços urbanos que vão adoptando e que contribuem para a uniformização das paisagens urbanas, quer do ponto de vista estético e arquitectónico, quer quanto ao modo de definir as funcionalidades para os lugares e os modos de vivência que procuram assegurar; aos sectores económicos em que procuram assentar as suas estratégias; e à aposta em modelos de desenvolvimento quase exclusivamente centrados em actividades económicas associadas ao imobiliário, ao turismo ou à cultura e património, frequentemente ancoradas em iniciativas de durabilidade e sustentabilidade não- garantida, e que reforçam o processo de indiferenciação das condições de atractividade e especialização de muitas cidades portuguesas.
Assim foi o passado. E o futuro? Como queremos que seja?
Durante uma semana, Pedrógão Pequeno foi palco de uma residência dirigida pelo histórico saxofonista Evan Parker. O crítico de jazz Nuno Catarino acompanhou os trabalhos neste "lugar quase mágico"
Uma pequena utopia musical a poucos quilómetros do centro geodésico do país, na vila de Pedrógão Pequeno. Um grupo de 17 músicos portugueses ligados ao jazz e à improvisação trabalhou diariamente sob as ordens do saxofonista inglês Evan Parker, num lugar rodeado por um imenso verde e montanhas gigantes, com o rio Zêzere e a Barragem do Cabril em fundo.
Para além das longas horas de estudo e de preparação, houve tempo para apresentações públicas ao longo da semana e a residência artística, integrada no X-Jazz - Ciclo de Jazz das Aldeias do Xisto, que só termina no fim do ano e ainda vai levar concertos a várias povoações do interior centro -, culminou com um concerto do colectivo, no sábado à noite, na Casa da Cultura da Sertã.
No estrado da Filarmónica
Entre terça-feira e sábado, os músicos estiveram reunidos na Sociedade Filarmónica Aurora Pedroguense, com horários predefinidos que iam sendo marcados pelas badaladas do sino da igreja que fica mesmo em frente. Na sala principal, sobre um pequeno estrado, estava a cadeira de Evan Parker, um dos fundadores da livre improvisação europeia, histórico saxofonista, uma das mais relevantes figuras pós-Coltrane (brilhante no sax tenor e soprano) e que recentemente passou pelo festival Jazz em Agosto, em Lisboa.
O veterano Parker, que além de instrumentista tem uma larga experiência na direcção deensembles, teve aqui o desafio de orientar e aperfeiçoar uma música que vive na liberdade, improvisada. A aparente contradição foi trabalhada com os músicos através de vários exercícios, obrigando-os a sair da sua zona de conforto, explorando o espaço e fomentando a comunicação.
Para Parker, o trabalho foi evoluindo bem, já que todos seguiram as suas sugestões "de forma muito positiva", mas nem por isso o velho improvisador deixou de reconhecer que nem tudo foi fácil: "A principal dificuldade foi desenvolver uma consciência de grupo. São muitas pessoas a trabalhar uma música aberta e leva algum tempo para se chegar a um entendimento."
Apesar das dificuldades, o entusiasmo era generalizado entre os músicos. O sorriso de Luís Vicente, trompetista lisboeta, membro dos Farra Fanfarra e mentor de diversos projectos, espelhava o seu contentamento. "Estou a adorar, a aprender imenso, e é uma honra poder desfrutar destes dias com um mestre do jazz e da música improvisada", diz. O trompetista salienta ainda a importância de aplicar estes ensinamentos no que fizer daqui para a frente: "Vou transportar isto para a maneira de tocar, para a maneira como vou pensar a música".
O saxofonista João Martins, membro de grupos como Space Ensemble, Lost Gorbachevs ou F.R.I.C.S., destaca a forma "honesta e produtiva" como Parker dirigiu a residência, fazendo com que cada um pensasse sempre muito bem no que estava a fazer e em formas de o melhorar. "Ele consegue dizer-nos que o que estamos a fazer não está à altura das suas expectativas, e que nem devia estar das nossas, mas consegue dizê-lo de uma forma que, em vez de nos deitar abaixo, nos lança para a frente. No meio da improvisação é refrescante ter um trabalho em que as pessoas têm disponibilidade, frontalidade e honestidade para dizer o que pensam sem receio de ferir susceptibilidades", reconhece.
João Lobo, baterista que hoje vive em Bruxelas, tendo já integrado o quinteto do célebre Enrico Rava, subscreve a relevância de trabalhar com Parker, acrescentando que esta foi também uma oportunidade para ficar a conhecer músicos com quem nunca se tinha cruzado, o que abriu as portas a futuras colaborações.
Ter esta residência artística afastada da azáfama urbana, num cenário paradisíaco, foi para todos uma condição determinante para o sucesso. Vicente fala de Pedrógão Pequeno como "sítio inspirador", um "espaço ideal" que potencia a concentração. O director artístico Evan Parker concorda: "É um lugar muito especial, com as montanhas e o rio, é um ambiente perfeito para o nosso trabalho. Temos todas as condições para desenvolver a nossa música. É uma coisa utópica!".
Música e não só
Os músicos não foram os únicos privilegiados com esta residência promovida pelo Jazz ao Centro Clube em colaboração com a Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto. Isto porque a música também chegou directamente aos moradores da vila.
Uma das apresentações ao vivo foi feita no Moinho das Freiras, um inesperado palco natural à beira do Zêzere, um lugar quase mágico, rodeado de vegetação, com pouca luz e a ligação a um grande túnel escavado na rocha. Na margem actuou um grupo de cordas (viola de arco, guitarra acústica, violoncelo, harpa e dois contrabaixos) e, no momento em que o concerto estava a chegar ao fim, começou a ouvir-se ao longe um estranho som: um grupo de sopros e percussões atravessava o túnel numa espécie de marcha solene até chegar à zona do "palco", fundindo-se com as cordas num final épico de uma noite que abriu com a banda da filarmónica da vila, que também quis juntar-se à festa.
Mas nem só de música e de músicos se fez a residência com Parker. O projecto inclui outras áreas da criação. Todas as actividades foram gravadas em áudio e vídeo, com a colaboração do técnico de som João P. Miranda, do Centro de Estudos Cinematográficos da Universidade de Coimbra e da dupla Walk Talk, estando prevista a realização de um documentário. O fotógrafo Nuno Martins esteve a fazer o registo permanente, não apenas dos momentos musicais, mas também dos informais - as suas imagens serão usadas numa reportagem a publicar na revista jazz.pt. Numa outra parceria, desta vez com a editora e associação de BD Chili com Carne, o ilustrador André Coelho retratou os músicos e daí deverá sair uma banda desenhada.
Para Nuno Martins, habituado a capturar imagens a partir do palco, esta foi "uma experiência única". Mais do que registar músicos a tocar, o fotógrafo quis "dar, através de pequenos detalhes, um vislumbre daquilo que aconteceu", a partir de uma forte empatia que, diz, surgiu muito naturalmente mal chegou a Pedrógão Pequeno.
Para "promover o encontro e a interacção entre as pessoas", a artista plástica Rita Frazão trabalhou em duas vertentes: fez retratos dos músicos enquanto tocavam e recolheu elementos tipográficos da vila para depois fazer uma intervenção numa velha mesa de madeira usada para refeições e festas da filarmónica.
Coisa boa para a terra
Nesta residência, que foi o mais importante evento do X-Jazz, sobrou ainda tempo para a descontracção, depois de cumpridas, é claro, as obrigações musicais. Entre mergulhos na piscina, "imperiais" ao fim da tarde, passeios pela vila e pelos trilhos da montanha e um ocasional medronho num dos cafés da região, os participantes pareciam viver em permanente estado de felicidade, o que se reflectiu na música produzida.
Como seria de esperar num lugar pacato como Pedrógão Pequeno, os habitantes da vila não ficaram indiferentes a toda esta animação. Atrás do balcão da mercearia, Ana Paula não percebe muito bem o que aquela gente toda andou por ali a fazer, mas fica contente que se fale na terra. No pequeno café, a vinte passos da filarmónica, sentiu-se o rebuliço, diz Arménio, que tirava dezenas de bicas sempre que havia um intervalo nos trabalhos. "Isto é uma coisa boa para a terra. Deviam fazer mais vezes."
O futuro parece querer fazer-lhe a vontade. A organização diz que a residência não se encerra com o concerto de sábado: "O trabalho com Parker tem de ter continuidade", defende Pedro Rocha Santos, presidente do Jazz ao Centro, abrindo a possibilidade de apresentar este projecto em festivais no estrangeiro, mas também de voltar a juntar o grupo de músicos para uma nova temporada com o saxofonista em Portugal.
"Estou muito contente por estar aqui e por vos conhecer a todos", disse o britânico no arranque da residência. "E não faço ideia daquilo que irá acontecer." Quando, na noite de sábado, os músicos subiram ao palco da Casa da Cultura da Sertã para o concerto final continuavam sem saber. Mas naquele momento todos tinham à disposição um conjunto alargado de novas ferramentas. E a vila estava lá para os ver.
Por Conceição Melo
A Fábrica de Fiação e Tecidos de Santo Thyrso foi uma das mais emblemáticas fábricas do Vale do Ave, coração da indústria têxtil e do vestuário português, tendo empregado nos seus tempos áureos mais de mil trabalhadores. Por este motivo, existe ainda hoje uma forte ligação sentimental da população para com este espaço. Pioneira no desenvolvimento industrial da região, esta fábrica não resistiu às mudanças estruturais do sistema económico e produtivo que, nos anos oitenta, colocaram desprotegidamente as nossas indústrias no mercado global. Fechou as suas portas em 1990.
Ultrapassando as suas competências estritas, a câmara municipal iniciou um longo processo para a aquisição deste património, aceitando o desígnio de manter viva a memória e a identidade coletivas.
A requalificação da Fábrica de Santo Thyrso enquadra-se numa intervenção de regeneração urbana mais alargada que visa tornar as frentes ribeirinhas do rio Ave um espaço de sociabilidade e de fruição para todos os habitantes, turistas e visitantes de Santo Tirso, ao qual se associa a promoção de atividades culturais e económicas, criativas, urbanas, inovadoras e diferenciadoras. Este processo suportado por um Plano Municipal de Ordenamento do Território, o Plano de Urbanização das Margens do Ave, fundamentou uma candidatura bem-sucedida ao Polis XXI, Parcerias para a Regeneração Urbana, que possibilitou o acesso a financiamento comunitário e viabilizou a recuperação de parte significativa deste património.
São razões de ordem patrimonial e identitária e de ordem económica e social as que norteiam todo este projeto.
Memória e identidade são valores subjetivos. Neste caso, encontram-se associadas a um lugar, um espaço edificado e fabricado, que esteve ligado à história pessoal de muitos dos habitantes de Santo Tirso e à história económica do município e da região. A preservação desta memória coletiva não se faz sem a sua continuidade na contemporaneidade. E a dificuldade reside aí. Como preservar a memória e a identidade, fatores que contribuem para o bem-estar e a coesão social, adotando e adaptando o espaço a novos usos? Como conseguir que a população local se aproprie e faça seu este novo projeto?
A apropriação implica a identificação com o objetivo e com o lugar socialmente produzido em continuidade, integrando o passado no novo uso e garantindo deste modo a sua viabilidade futura: ao significado cultural e histórico, há que acrescentar os novos significados trazidos pelas novas funções; à preservação da memória patrimonial, conseguida pela leitura interpretativa do edifício e da sua original função, haverá que adicionar a gerada pelas atividades que aqui se vão sedimentar.
Mais do que a requalificação física do espaço pretende-se um verdadeiro projeto de regeneração urbana que obrigatoriamente pressupõe uma perspetiva evolutiva e vivencial do património. Não interessa ao município, não interessa à cidade, guardar estaticamente a memória do lugar, interessa recompô-la com novas vivências, abertas à comunidade local.
Este é o principal desafio do projeto: abri-lo ao exterior, divulgando-o externamente, estabelecendo parcerias e trazendo experiências e projetos para serem desenvolvidos no espaço da Fábrica de Santo Thyrso e, ao mesmo tempo, incorporar o saber fazer dos antigos operários têxteis, os métodos produtivos tradicionais da cultura local, fazendo-os coincidir na contemporaneidade.
É neste espaço e neste contexto, de elevado simbolismo e de projetado dinamismo, que está a ser concretizado sob o conceito de Quarteirão Cultural o projeto "Fábrica de Santo Thyrso", projeto este que configura, em nosso entender, um bom exemplo de uma operação de regeneração urbana. Oxalá se concretize.
Por José Jorge Letria
http://jornal.publico.pt/noticia/10-08-2012/a-revitalizacao-das-cidades-e-a-cultura-25049620.htm
Basta ver a forma como os londrinos integraram William Shakespeare no circuito turístico-cultural que rodeia os Jogos Olímpicos para se perceber até que ponto a cultura pode contribuir para que uma grande cidade atraia públicos diversificados e alargue os horizontes e interesses de quem a visita por razões predominantemente desportivas. Mas também se poderia falar de Charles Dickens e do modo como está a ser comemorado em Londres o bicentenário do seu nascimento.
A verdade é que não é preciso dar como referência esta Londres olímpica para se demonstrar aquilo que é um facto há muito adquirido. Articulada de forma criativa e apelativa com a oferta turística, a cultura cria riqueza, emprego e fortalece as identidades locais, regionais e nacionais.
Outro exemplo a ter em conta é o de Genebra, que comemora da forma discreta que caracteriza tudo que os suíços fazem os 300 anos do nascimento do filósofo Jean-Jacques Rousseau, ao mesmo tempo que reforça o interesse dos visitantes pelo CERN, onde a descoberta da "partícula de Deus" reabriu o debate cada vez mais actual sobre a relação entre ciência e religião e sobre o modo como o infinitamente pequeno confrontado com o infinitamente grande nos deve levar a repensar muitas ideias feitas sobre a origem do Universo.
Mas voltemos a Rousseau, cujo contributo para modificar as concepções relacionadas com a organização da sociedade, com o papel da educação e com a própria ideia de revolução veio marcar toda a evolução do pensamento filosófico. Genebra celebra a obra e a vida desse ilustríssimo conterrâneo com uma grande exposição repartida por três espaços nobres da cidade que, sob o título genérico Vivant ou Mort, põe em destaque a relação do autor de O Contrato Social com os seus amigos e inimigos, mas também o egoísmo e a misoginia que marcaram a sua existência como homem e o levaram a abandonar os cinco filhos cuja paternidade nunca negou. Grandezas e misérias das grandes figuras da humanidade.
A avaliar pelo número de eventos promovidos em torno desta comemoração e pela quantidade de visitantes, poderá afirmar-se que Rousseau está ajudar Genebra a sentir ainda menos a crise que aflige tantas outras cidades desta Europa atormentada por crescentes incertezas e temores.
Mas, na mesma linha de pensamento, poderá dizer-se que Lisboa, à semelhança do que tem feito com reconhecido êxito Dublin com nomes como James Joyce ou Oscar Wilde, entre outros, tem condições para tirar muito mais partido da crescente popularidade internacional de Fernando Pessoa, escritor de génio que os turistas culturais procuram, nesse sossego desassossegado de quem gosta de encontrar nas cidades pelas quais se apaixona sinais que os remetem para os livros traduzidos que trazem na bagagem das suas descobertas e errâncias.
Há sempre mais a fazer quando se trata de colocar os pilares da cultura das cidades e dos países ao serviço da sua promoção internacional e da sua recuperação económica. Recentemente, o ministro do Património e da Herança Cultural da Irlanda revelou que cerca de 65% dos turistas que visitam a Irlanda o fazem movidos por interesses de índole cultural. Tendo-se presente estes factos e números, é forçoso reconhecer que esta Europa angustiada pela asfixia que a ditadura dos mercados financeiros lhe vai impondo deverá contar muito mais com a cultura para sobreviver, fornecendo a quem a cria e promove as condições materiais, fiscais, legislativas e organizativas para que esse desígnio seja cumprido para além da retórica mais ou menos circunstancial das boas intenções, que nunca chegaram para se ganhar o Céu.
‘Fazer melhor com os recursos que temos’ é uma provocação cívica para repensarmos as políticas públicas e a acção colectiva a nível local, nesta época de escassos recursos financeiros'
José Carlos Mota
Mais informação:
http://www.facebook.com/FazerMelhorComOsRecursosQueTemos
Cidadania activa
Por Paulo Trigo Pereira
Agostinho da Silva achava que Portugal, para renascer, tinha que ser a partir do município. E tinha razão, mas para isso é preciso que haja muito mais cidadania local. Como é que os cidadãos, mesmo não enquadrados partidariamente nem particularmente interessados em política, podem intervir na Polis de forma a melhorar a qualidade da democracia? Participando mais nos espaços de debate público da freguesia e do município, e exigindo mais transparência, informação e deliberação pública.
O poder baseia-se na informação e muitas vezes esta não existe, outras é sonegada pelos poderes públicos, e às vezes existe, mas não é inteligível. Relembre-se que há uma lei de acesso a documentos administrativos, e uma Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA), pelo que nenhuma entidade pode legitimamente sonegar essa informação. A Lei das Finanças Locais (LFL) tem um artigo sobre publicidade dizendo que todas as câmaras têm que disponibilizar, no seu sítio online, as taxas, tarifas e preços e algumas, mas nem todas, fazem-no. Os munícipes e as empresas têm o direito de saber não só quanto pagam (IMI, IMT, taxa de retenção de IRS, taxa de derrama), mas por que pagam esses impostos e essas taxas, que devem ter uma justificação económico-financeira. Fala-se muito que as tarifas e preços de bens e serviços essenciais (água, saneamento e resíduos) devem cobrir os custos. Mas a LFL acrescenta algo que muitas vezes é esquecido: em condições de eficiência técnica. Ou seja, se existe má gestão ou desperdício de água, acima do que se considera uma taxa de perda aceitável, não devem ser os munícipes a pagar essa ineficiência. E, se pagam, devem penalizar politicamente quem o faz. Os munícipes de Mafra têm o direito de saber por que é que têm uma das mais caras águas do país (7.ª posição em 2009 para 60 m3 (1)). Será que é por um executivo camarário ter feito um contrato de concessão a um privado (Societé Géneral des Eaux) em condições de preço e tarifário que a beneficiam a si, em prejuízo dos munícipes? Não se percebe por que é que os munícipios de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, associados da AMTRES, que detém o capital da empresa intermunicipal Tratolixo, tinham tarifas muito diferentes que iam de 6,04€ em Oeiras ao máximo de 43,67€ em Cascais. Também não se percebe, porque uma mesma empresa a Valorsul, trata os resíduos urbanos de 19 municípios e uns não cobram nada (Lisboa, Amadora e Caldas), outros cobram pouco (Vila Franca) e outros cobram mais (Odivelas e Loures). Os munícipes, aqui e no resto do país, que não pagam tarifas de resíduos devem questionar-se. Como não há almoços grátis, ou alguém paga por eles (transferências intergovernamentais) ou das duas uma: estão a pagar hoje através de impostos acrescidos, ou está a aumentar a dívida municipal, que pagarão amanhã. Uma análise comparativa da Valorsul com a Tratolixo, em termos de eficiência, seria bastante útil.
Para além dos preços, há a questão dos serviços municipais. Na freguesia da Parede, concelho de Cascais, há três escolas públicas e uma privada relativamente próximas. Estamos a falar de milhares de jovens numa população de cerca de 18.000 residentes. A biblioteca municipal da Parede foi anunciada por José Luís Judas para um local. Mais tarde, António Capucho escolheu outro local e lá esteve durante vários anos dos seus mandatos (2001-2011) um grande outdoor anunciando a futura biblioteca. Desconheço a história da não-biblioteca da Parede que deverá envolver burocracias, indemnizações, contratos, promessas e interesses. Mas sei os custos intangíveis da sua não-construção. São milhares de crianças que não tiveram acesso a livros, material didáctico, sobretudo as mais carenciadas, cujos pais não têm recursos para os obter. São milhares de idosos, muitos deles sós, que têm tempo livre e que não puderam ter acesso a um espaço cultural e de convívio. Há perguntas que nós, munícipes, temos a obrigação de fazer. Por que não foi contruída? Têm os futuros candidatos autárquicos o projecto de a construir? Com que meios financeiros e com que prazos? Como estas há muitas perguntas, em cada freguesia e município deste país, que os cidadãos podem e devem fazer.
(1) Os dados dos tarifários de consumidores domésticos são de 2009 e foram retirados do sítio online da entidade reguladora (ERSAR) que aliás tem funcionado muito bem e que se espera que não seja extinta.
http://expresso.sapo.pt/para-acabar-de-vez-com-a-cultura=f728183#ixzz1vnnXsO00
Os subsídios à cultura têm três funções: desenvolvimento económico, defesa da liberdade de escolha e promoção da soberania cultural.
Comecemos pelo desenvolvimento económico.
Quando andei pela Islândia a preparar a reportagem que a revista do "Expresso" publicou há 15 dias visitei uma empresa que se tem saído muito bem nesta crise. A CCP, criada em 1997 por três jovens, é responsável por um jogo online com tanta gente registada como toda a população da Islândia. Como as suas receitas são em moeda estrangeira, não foi afectada pela desvalorização da coroa. Como tudo o que faz é exportar um serviço, não foi afectada pela crise no mercado interno. Como exporta um bem imaterial, o isolamento do país não a afecta. Como tudo o que precisa é de uma mão de obra altamente especializada, tem na Islândia o excelente lugar para trabalhar.
A CCP é hoje a maior empresa instalada no porto de Reiquiavique e tem escritórios em Atalanta, Xangai e Newcastle. É maior do que as maiores empresas de pescas do País, o ganha pão mais seguro dos islandeses. Compreensivelmente, o Presidente da Islândia, Ólafur Grímsson, deposita muitas esperanças neste sector. Disse-me, na entrevista que então lhe fiz: "Vemos jovens a abrir empresas, a fazer investigação, a trabalhar nas artes, na música, no design, no cinema, na literatura, na tecnologias de informação, e percebemos que temos uma vida mais vibrante nos últimos três anos do que nos anteriores. O sucesso das economias no século XXI não dependerá do sector financeiro, mas dos sectores criativos."
Também por cá, o sector da tecnologias de informação e do entretenimento é tratado, em discursos de circunstância de muitos políticos, como fundamental para termos algum futuro económico que não dependa de salários baixos. Regresso então à sede da CCP, onde tive uma interessante conversa com um dos responsáveis pelas relações públicas da empresa. Dizia-me Eldor Astthorsson: "A indústria IT não cresce num país onde não haja muita atividade cultural tradicional. É a ela que vamos buscar os músicos, os guionistas, os estilistas, os desenhadores e os realizadores que fazem os nossos jogos. Os computadores não chegam para garantir a indústria de entretenimento".
E isto não se aplica apenas à indústria dos jogos de computador. Não há indústria do calçado, do têxtil ou do mobiliário que sobreviva sem bons designers. E não há bons designers sem bons artistas plásticos. Não há desenvolvimento das telecomunicações, dos novos media e do entretenimento sem conteúdos. E não há conteúdos sem desenvolvimento das artes. Não há turismo competitivo sem atividades culturais. E não há atividades culturais, incluindo as do puro entretenimento, sem cinema, teatro, literatura. Não há cinema comercial sem o experimentalismo do cinema de autor. Não há marketing sem publicidade, não há publicidade sem realizadores e guionistas.
O sector cultural e criativo representava, em 2010, 3,4% do comércio mundial. Em Portugal gerava 2,8% da riqueza e dava emprego a 126 mil pessoas. Neste sector estão incluídas muitas atividades, que vão do património à publicidade. Mas o combustível desta gigantesca indústria em crescimento são as atividades culturais nucleares: o cinema, a literatura, o teatro, a dança. Sem elas, o motor para. E a criatividade que pode alimentar a economia também.
Se os sucedâneos comerciais das atividades criativas têm retorno quase imediato, o mesmo não acontece com as atividades culturais de que se alimentam. Todos os países desenvolvidos do mundo, EUA incluídos, têm financiamento público à criação artística. E se isto é verdade em países com mercados de alguma dimensão, em países do tamanho de Portugal deveria ser indiscutível. Assim como o apoio público à Investigação e Desenvolvimento não tem retorno imediato mas é central para o desenvolvimento económico e social de qualquer país, o apoio à cultura é prioritário para quem não queira condenar uma sociedade ao subdesenvolvimento económico, social e cultural. Os subsídios à cultura não são uma esmola. São um investimento. Um pequeníssimo investimento, para dizer a verdade. Talvez dos investimentos públicos onde a relação entre o que é gasto e o retorno final é mais favorável.
Quanto à defesa da liberdade de escolha, a coisa é ainda mais simples de perceber.
O Estado não tem gosto. Não escolhe o que é bom e o que é mau. Sabe apenas uma coisa: se deixarmos a cultura apenas ao mercado só teremos acesso ao que tenha retorno financeiro imediato. E o que tem retorno imediato é o que agrada ao máximo de pessoas pelo mínimo investimento possível. E, acima de tudo, o que represente menor risco. A produção com intuitos meramente comerciais é, por natureza, conservadora e avessa ao risco. Inova pouco porque se dirige ao gosto mainstream. Isso não tem mal nenhum. Eu gosto de filmes comerciais. Mas se ficarmos por aí nem os filmes comerciais sobrevivem.
É comum dizer-se que devem ser as pessoas a escolher o que querem ler, ouvir e ver. Assino por baixo. Não tenho a arrogância de pensar que o que eu gosto é melhor do que o gosto dos outros. Apenas sei que se não houver uma política pública para garantir a diversidade ela morre. E eu, como todos os outros, deixo de ter a possibilidade de escolher. Apenas posso ler, ouvir e ler o que a maioria quer ler, ouvir e ver.
Ponho a coisa assim: sem investimento público (seja de Estados, seja de monarcas ou instituições mais ou menos públicas), não teríamos podido ouvir Bach ou contemplar grande parte do nosso património arquitectónico. E sem isso, até a nossa música comercial e arquitetura mais acessível seriam hoje muito mais pobres. Resumindo: o investimento público na cultura é a única forma, sobretudo num país da dimensão de Portugal, de garantir a liberdade de escolha que os absolutistas do mercado dizem defender.
Por fim, a soberania cultural.
Talvez não se saiba, mas, depois do futebol e das praias, a literatura e o cinema portugueses são, de longe, os melhores embaixadores do País. Fica bem desprezar Manoel de Oliveira e João César Monteiro. Mas vão por essa Europa fora e ficarão a saber que são bem mais conhecidos do que a esmagadora maioria das nossos banqueiros ou estadistas. Claro que saem mais caros que um Saramago ou um Lobo Antunes. Apenas porque o cinema exige um investimento dispensável na escrita. Mas um país sem criadores é um país que não existe. Porque nada tem a acrescentar a um mundo globalizado. Não existe na economia, não existe na política, não existe na diplomacia.
O cinema português assistiu a um corte de 100% de investimento público. Nenhum outro sector vive tal sangria. Neste momento, nenhum dinheiro público (que resulta de taxas sobre a publicidade e não, como muitos julgam, do Orçamento do Estado) está a ser canalizado para a produção cinematográfica. Assistimos, na música (os membros da Orquestra Metropolitana de Lisboa estão hoje em greve, garantindo eventos culturais à população de borla), no teatro e na dança ao mesmo tipo de desinvestimento público que está a levar a criação cultural à penúria absoluta. O estado de falência é generalizado. Dirão: no meio desta crise económica, o que interessa? Interessa tudo. Isto, claro, se alguma vez quisermos sair do subdesenvolvimento político, económico e social que nos atrasou e nos deixou tão vulneráveis a esta crise.
Tenho lido, pacientemente, muitos disparates sobre os subsídios ao cinema e à cultura. Muito resulta de pura ignorância. Noutros casos, trata-se de ressentimento social e cultural. Noutros ainda, de populismo barato, num país onde a palavra "intelectual" é usada como insulto. Sobre os prémios internacionais recebidos pelos realizadores João Salaviza e Miguel Gomes, houve mesmo quem tivesse escrito que se tratavam de subsidiodependentes de "chapéu na mão" incapazes de captar investidores internacionais para o seu trabalho. Dá-se o caso de "Rafa" e "Tabu" terem conseguido, antes dos prémios que receberam, financiamento francês, alemão e brasileiro. Porquê? Porque há países que sabem o que andam a fazer. Passaram, por assim dizer, à fase da maioridade. Investir na cultura (incluindo na produzida por estrangeiros) é visto como uma indiscutível prioridade política. Aqui, pelo contrário, desprezar os artistas e tratá-los como pedintes mimados rende muito aplauso fácil. Pagaremos cara tanta ignorância atrevida.
Daniel Oliveira
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A "FARO 1540", vai promover no dia 20 de Abril (6ª feira), por volta das 21h30, no Salão Nobre da Sociedade Recreativa Artística Farense mais uma edição das conferências “Cidades pela Retoma”, desta feita dedicado ao tema da Identidade e Marketing de Cidades. A entrada é livre! Mais info: www.faro1540.org
No âmbito de uma actividade académico-científica do Mestrado em Planeamento Regional e Urbano do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro foi criado um espaço digital no FB de partilha de reflexão sobre ‘Resiliência & Transição’ (https://www.facebook.com/AveiroEmTransicao).
Convidamo-los a visitar o espaço digital e a partilhar as vossas iniciativas relevantes neste âmbito.
JCM
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