20
Dez 10

A propósito da 'Retoma vs. transição'

[debate no 'Cidades pela Retoma']

 

[Nuno] post 3

Caro Mário, agradeço a resposta e os links interessantes,

Como diz, um cenário recessivo afasta a hipótese da mossa nos preços que faz o aumento de procura, tal como, inversamente, os preços altos inviabilizam um crescimento económico contínuo (pelo menos de todos e como "no antigamente").
No meio de tudo isto, concordo também, as pessoas vão descobrindo alternativas e oportunidades, tal como em qualquer outro ponto do movimento perpétuo da história.
Dito isto, não ponho em questão as grandes probabilidades que tudo se desenrole de forma positiva (a auto-preservação é um instinto muito forte), relativizando o peso dos transportes devido a comportamentos "auto-regulatórios" gerados por preços altos mas é tudo uma questão de tempo.

A questão é que o transporte (barato, necessariamente) não é apenas gordura e desperdício: o transporte de carga não-rodoviário interno na UE é menos de 15%; o comércio global é feito em 90% por navio (uma das imagens do Verão de 2008 foram as centenas de navios ancorados no Mar da China, cheios de carros e roupa) e os passageiros por via aérea são 16 biliões- tudo isto é o suporte da coesão económica de países que compram e que exportam, de interacção de pessoas e de alianças políticas. A Revolução Industrial disparou com o transporte permitido pelo vapor e continua até hoje (e mais do que nunca), dependente de energia acessível e barata. Uma redução do transporte global não implica eficiência mas estagnação ou regressão- após décadas a construir uma dependência total do comércio externo, abandonando as capacidades próprias, todos os países se expuseram a uma fragilidade sem paralelo. Como desfizemos, podemos refazer agora, mas precisamos de tempo.

Mas a infra-estrutura monumental que é o transporte global é impossível de mudar significativamente em 30 anos, quanto mais em 5. Em Portugal, os nossos 3 maiores exportadores - Galp, Tap e Autoeuropa - por exemplo, dependem directamente de crude barato, o transporte rodoviário está nos 98% (!) por isso torna-se óbvio que é difícil ter a estabilidade económica relativa necessária a tais transições, assumindo que não há uma enorme resistência, por parte de políticos e cidadãos, a tudo o que implique algum tipo de mudança de hábitos para longe do paradigma de consumo actual. Os transportes colectivos são cruciais mas em apenas 15 dias (!) anunciou-se a extinção de linhas de comboio; que rodoviárias vão fechar por dívidas do Estado; que preços dos transportes vão subir; que se venderam mais automóveis do que nunca; que a CP Carga está em falência técnica e, finalmente, que o preço do petróleo subiu de 70 para bem acima dos 90$ em menos de 3 meses (por causa disto commodities como o açúcar duplicaram de preço mas a população e jornalistas lá pensaram que a culpa é dos hipers).

Está difícil, como bem apontou o Mário, ter um sentimento mais construtivo do que a preocupação.
Basicamente, posso soar algo pessimista mas não é porque enfrentamos um desafio técnico gigantesco mas porque ninguém reconhece que exista sequer um problema estrutural na nossa economia e sociedade.

Nesta fase, se ventilar publicamente qualquer tipo de alerta deste género, corro o risco de passar por um daqueles profetas que se encontram nos semáforos.

N.

 

[Mário Alves] post 2

Obrigado pelo comentário. De facto somos sempre tentados, e chamados, a prever o futuro. O que sugiro no artigo é que em vez de o tentarmos prever, devíamos tentar construi-lo. Como? Construindo narrativas coerentes sobre o futuro, ponderando as responsabilidades e consequências (entende-se a atenção que o Kunstler dá à ficção). Só assim podemos também pensar melhor em formas de alterar os nossos destinos. Com visões partilhadas de futuro, podemos evitar, pelo menos parte, as consequências de continuarmos a comportar da mesma forma. Como diria o La Palisse , e como descobriu o Kunstler com o bug do milénio, o futuro depende em muito de nós. Claro que em situações muito complexas e com grande velocidade, alterar padrões e trajectórias será sempre muito mais difícil e até doloroso. Mas é bem mais útil e interessante procurar futuros desejados, que tratar o futuro como uma fatalidade a que nos temos que adaptar. 
Vídeo de uma apresentação da Dana Meadows onde fala sobre a importância de ter uma visão sobre o futuro (vale a pena ver até ao fim, porque termina de uma forma corajosa e surpreendente):
http://www.uvm.edu/giee/beyondenvironmentalism/Meadows.mov
O último relatório da EIA é muito interessante também por causa desta complexidade de saber do que estamos a falar quando falamos do futuro. O caso do petróleo é um bom exemplo de como o seu futuro como recurso depende muito da forma como alteramos comportamentos e políticas. O que à primeira vista pode ser interpretado como "finalmente o anuncio do pico pela EIA":
http://motherjones.com/kevin-drum/2010/11/chart-day-peak-oil


É justificado de outra forma: adoptando New Policies scenario " (ler com atenção o gráfico) a pressão da procura do petróleo baixará de forma a não ser necessário aumentar a oferta. Não que eu pessoalmente acredite muito na possibilidade da adopção do New Policies scenario ", mas é claramente uma tentativa da EIA alterar e controlar o futuro. E como sabemos há duas maneiras de lidar com limites, ou pela gestão ou pela catástrofe.
O meu cepticismo na adopção do New Policies scenario " tem muito a ver com outro aspecto interessante do último relatório da EIA: estimaram que em 2009 os combustíveis fosseis receberam em todo o mundo 312 biliões de dólares em subsídios (os quais muitas ONGs consideram subestimados e, sabemos nós, não incluem as externalidades). Dizem os cínicos que política é a arte de passar os problemas para a geração seguinte.
Sobre as consequências do impacto do preço do petróleo, devo acrescentar que poderá ser mais indirecto sobre a mobilidade das pessoas (através do impacto directo na economia, pessoas sem dinheiro de pijama em casa viajam pouco) e mais directo sobre transporte de mercadorias. A mobilidade individual das pessoas tem neste momento muita "gordura" ineficiente de reserva (tonelada e meia para transportar uma pessoa virgula três!) o que ajudará a encontrar, não sem dor, formas mais eficientes de locomoção. Cobrar ou não as externalidades ao Transporte Individual poderá passar a ser uma questão política irrelevante, perante a revolta paralisante dos camionistas, da inflação e desemprego, do aumento da divida externa para o pagamento da factura energética, etc. 
Para não pensar que estou a fugir à pergunta: sim, a situação é preocupante. Preocupação é um sentimento pouco útil. Mais vale procurar na arte e filosofia formas de compreender melhor o que se está a passar e imaginar outros futuros.

Mário

 

[Nuno] post 1

Ecoo também a questão de pertinência de "voltar atrás" a um paradigma de crescimento baseado no consumo, que enfrenta agora o seu maior desafio político após o colapso do comunismo.
Perguntava apenas ao Mário Alves, porque acha que a inclinação "Cassandrista" do Kunstler, agora assente no binómio economia financeira/disponibilidade de energia barata, está igualmente errada, após o previsível flop do bug do milénio? 
Também não vou muito à bola com o estilo de escrita do homem, a não ser por motivos lúdicos (felizmente passou a dedicar-se à ficção), mas quando a própria IEA corrobora as suas previsões a curto prazo...

http://economia.publico.pt/Noticia/petroleo-preparase-para-voltar-aos-100-dolares-o-barril_1471018

publicado por JCM às 22:20 | comentar | favorito

A propósito do texto de Sevcik

[comentário]


Completamente de acordo com SEVCIK. As receitas mágicas da Classe Criativa ou da Cidade Criativa, aplicadas a esmo servem, se servirem, apenas a operações de charme/marketing territorial de curto alcance.
O fundamento de uma viragem para a economia cultural e criativa radica na democracia cultural e criativa (bottom-up) e na diversidade. Isso exige uma visão política com uma forte componente de governância, transparência, informação pública e participação.
Nestes aspectos, segundo vários estudos ( Villaverde Cabral, Mozzicafreddo, A. Ribeiro, ...) as cidades médias e pequenas portuguesas estão ainda na idade média, a figura do "Cesarismo" paternalista ainda abunda...quantos presidentes de câmara/vereadores se julgam programadores e gestores culturais ? quantos decidem que a arte pública é uma coisa de rotundas ? quantos decidem o que é ou não é cultura? quantos pensam que "cultura" é uma flor na lapela...
Como não acredito em saltos quânticos em matéria politico-social-cultural, só quando começarmos a fazer o trabalho de casa, desde o princípio e sem batota, é que poderemos ambicionar a ter uma vitalidade cultural urbana interessante, um tecido criativo activo e crítico, enfim uma atmosfera cultural e criativa regular e presente no quotidiano. Sem isso, ficamos com uns espectáculos e umas festa de salão ao fim-de-semana para nos entreter...
A minha tentativa e proposta para uma política cultural, aqui (obviamente que não serve como modelo universal, foi pensada para Torres Vedras)

Rui Matoso

publicado por JCM às 22:13 | comentar | favorito
20
Dez 10

Why Art and the Creative Class will Never Save Cities

Why Art and the Creative Class will Never Save Cities

(http://urbanomnibus.net/2010/12/thomas-sevcik-why-art-and-the-creative-class-will-never-save-cities/)




Thomas SEVCIK desenvolveu numa palestra efectuada recentemente em Miami (http://vimeo.com/17541511) um interessante argumento a propósito da tão falada e propalada aposta na criatividade e nas cidades criativas. O consultor referiu que o tema se tem prestado a diversas conclusões perigosas e abusivas sobre o real valor da criatividade para a economia urbana e referiu a necessidade de discutir as verdades adquiridas sobre esta matéria.

SEVCIK começa com o argumento de que as indústrias criativas são actualmente avessas à inovação, citando vários estudos [solicitar fonte] que referem que devido ao crónico sub-financiamento quando essas actividades descobrem uma formula de como podem vender um determinado produto (por exemplo um tipo de Web-site ou uma estratégia especial) tendem a reproduzir o mesmo sistema e a vender sempre o mesmo ou da mesma maneira.

O autor refere mesmo que comparando o sector cultural e criativo com os sectores da biotecnologia ou da indústria financeira, estes últimos revelam ser mais criativos.

Por outro lado, SEVCIK censura as queixas dos artistas sobre o crescente aumento das rendas imobiliárias (sobretudo nas grandes cidades), alertando para o facto das 'cidades baratas' serem cidades pouco interessantes do ponto de vista económico o que se tem traduzido, ao longo da história, e segundo o autor, por uma menor atractividade do ponto de vista artístico e cultural.

No entanto, o ponto central da crítica centra-se na forma como a criatividade é vista como a nova alquimia das cidades suportada pelo argumento de que as cidades se tornam vibrantes por uma mera aposta nas artes.

De acordo com alguns estudos [solicitar fonte], o que se passa é exactamente o contrário, isto é as cidades importantes do ponto de vista artístico são as cidades capitais do mundo financeiro.

O autor refere que o uso da arte e da cultura (e das indústrias culturais) como uma mera ferramenta de marketing, ou como uma forma superficial de dar algum protagonismo à cidade, tem sido particularmente inútil e mesmo desvantajoso para as cidades.

Em alternativa SEVCIK recomenda uma aposta na educação, onde existe um potencial relevante de desenvolver a cultura, a criatividade e, em consequência, as cidades. Esta aposta não se traduz, de forma imediata, em resultados visíveis, que os protagonistas políticos tanto desejam, mas é uma metodologia mais 'bottom-up' que tenderá a mudar e a valorizar o 'potencial cultural e social' das cidades.

Os ingredientes tantas vezes pronunciados sobre as qualidades da cidade criativa (FLORIDA) raramente são acompanhados das metodologias (pistas de 'receitas' ou 'fórmulas') para a sua combinação.

Sem estas preocupações metodológicas para suportar um desenvolvimento orgânico da criatividade e inovação, as cidades podem tornar-se 'conchas vazias', aparentemente atractivas mas sem conteúdo.

(tradução livre)

JCM
publicado por JCM às 13:58 | comentar | ver comentários (1) | favorito