Mais cidadania local: precisa-se (artigo de opinião de Paulo Trigo Pereira no Público)
Cidadania activa
Mais cidadania local: precisa-se
Por Paulo Trigo Pereira
Agostinho da Silva achava que Portugal, para renascer, tinha que ser a partir do município. E tinha razão, mas para isso é preciso que haja muito mais cidadania local. Como é que os cidadãos, mesmo não enquadrados partidariamente nem particularmente interessados em política, podem intervir na Polis de forma a melhorar a qualidade da democracia? Participando mais nos espaços de debate público da freguesia e do município, e exigindo mais transparência, informação e deliberação pública.
O poder baseia-se na informação e muitas vezes esta não existe, outras é sonegada pelos poderes públicos, e às vezes existe, mas não é inteligível. Relembre-se que há uma lei de acesso a documentos administrativos, e uma Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA), pelo que nenhuma entidade pode legitimamente sonegar essa informação. A Lei das Finanças Locais (LFL) tem um artigo sobre publicidade dizendo que todas as câmaras têm que disponibilizar, no seu sítio online, as taxas, tarifas e preços e algumas, mas nem todas, fazem-no. Os munícipes e as empresas têm o direito de saber não só quanto pagam (IMI, IMT, taxa de retenção de IRS, taxa de derrama), mas por que pagam esses impostos e essas taxas, que devem ter uma justificação económico-financeira. Fala-se muito que as tarifas e preços de bens e serviços essenciais (água, saneamento e resíduos) devem cobrir os custos. Mas a LFL acrescenta algo que muitas vezes é esquecido: em condições de eficiência técnica. Ou seja, se existe má gestão ou desperdício de água, acima do que se considera uma taxa de perda aceitável, não devem ser os munícipes a pagar essa ineficiência. E, se pagam, devem penalizar politicamente quem o faz. Os munícipes de Mafra têm o direito de saber por que é que têm uma das mais caras águas do país (7.ª posição em 2009 para 60 m3 (1)). Será que é por um executivo camarário ter feito um contrato de concessão a um privado (Societé Géneral des Eaux) em condições de preço e tarifário que a beneficiam a si, em prejuízo dos munícipes? Não se percebe por que é que os munícipios de Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra, associados da AMTRES, que detém o capital da empresa intermunicipal Tratolixo, tinham tarifas muito diferentes que iam de 6,04€ em Oeiras ao máximo de 43,67€ em Cascais. Também não se percebe, porque uma mesma empresa a Valorsul, trata os resíduos urbanos de 19 municípios e uns não cobram nada (Lisboa, Amadora e Caldas), outros cobram pouco (Vila Franca) e outros cobram mais (Odivelas e Loures). Os munícipes, aqui e no resto do país, que não pagam tarifas de resíduos devem questionar-se. Como não há almoços grátis, ou alguém paga por eles (transferências intergovernamentais) ou das duas uma: estão a pagar hoje através de impostos acrescidos, ou está a aumentar a dívida municipal, que pagarão amanhã. Uma análise comparativa da Valorsul com a Tratolixo, em termos de eficiência, seria bastante útil.
Para além dos preços, há a questão dos serviços municipais. Na freguesia da Parede, concelho de Cascais, há três escolas públicas e uma privada relativamente próximas. Estamos a falar de milhares de jovens numa população de cerca de 18.000 residentes. A biblioteca municipal da Parede foi anunciada por José Luís Judas para um local. Mais tarde, António Capucho escolheu outro local e lá esteve durante vários anos dos seus mandatos (2001-2011) um grande outdoor anunciando a futura biblioteca. Desconheço a história da não-biblioteca da Parede que deverá envolver burocracias, indemnizações, contratos, promessas e interesses. Mas sei os custos intangíveis da sua não-construção. São milhares de crianças que não tiveram acesso a livros, material didáctico, sobretudo as mais carenciadas, cujos pais não têm recursos para os obter. São milhares de idosos, muitos deles sós, que têm tempo livre e que não puderam ter acesso a um espaço cultural e de convívio. Há perguntas que nós, munícipes, temos a obrigação de fazer. Por que não foi contruída? Têm os futuros candidatos autárquicos o projecto de a construir? Com que meios financeiros e com que prazos? Como estas há muitas perguntas, em cada freguesia e município deste país, que os cidadãos podem e devem fazer.
(1) Os dados dos tarifários de consumidores domésticos são de 2009 e foram retirados do sítio online da entidade reguladora (ERSAR) que aliás tem funcionado muito bem e que se espera que não seja extinta.