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Ago 12
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Improvisar uma utopia com Evan Parker no meio das montanhas (Público)

Durante uma semana, Pedrógão Pequeno foi palco de uma residência dirigida pelo histórico saxofonista Evan Parker. O crítico de jazz Nuno Catarino acompanhou os trabalhos neste "lugar quase mágico"


http://jornal.publico.pt/noticia/20-08-2012/improvisar-uma-utopia-com-evan-parker-no-meio-das-montanhas-25101485.htm

Uma pequena utopia musical a poucos quilómetros do centro geodésico do país, na vila de Pedrógão Pequeno. Um grupo de 17 músicos portugueses ligados ao jazz e à improvisação trabalhou diariamente sob as ordens do saxofonista inglês Evan Parker, num lugar rodeado por um imenso verde e montanhas gigantes, com o rio Zêzere e a Barragem do Cabril em fundo. 

Para além das longas horas de estudo e de preparação, houve tempo para apresentações públicas ao longo da semana e a residência artística, integrada no X-Jazz - Ciclo de Jazz das Aldeias do Xisto, que só termina no fim do ano e ainda vai levar concertos a várias povoações do interior centro -, culminou com um concerto do colectivo, no sábado à noite, na Casa da Cultura da Sertã.

No estrado da Filarmónica

Entre terça-feira e sábado, os músicos estiveram reunidos na Sociedade Filarmónica Aurora Pedroguense, com horários predefinidos que iam sendo marcados pelas badaladas do sino da igreja que fica mesmo em frente. Na sala principal, sobre um pequeno estrado, estava a cadeira de Evan Parker, um dos fundadores da livre improvisação europeia, histórico saxofonista, uma das mais relevantes figuras pós-Coltrane (brilhante no sax tenor e soprano) e que recentemente passou pelo festival Jazz em Agosto, em Lisboa.

O veterano Parker, que além de instrumentista tem uma larga experiência na direcção deensembles, teve aqui o desafio de orientar e aperfeiçoar uma música que vive na liberdade, improvisada. A aparente contradição foi trabalhada com os músicos através de vários exercícios, obrigando-os a sair da sua zona de conforto, explorando o espaço e fomentando a comunicação.

Para Parker, o trabalho foi evoluindo bem, já que todos seguiram as suas sugestões "de forma muito positiva", mas nem por isso o velho improvisador deixou de reconhecer que nem tudo foi fácil: "A principal dificuldade foi desenvolver uma consciência de grupo. São muitas pessoas a trabalhar uma música aberta e leva algum tempo para se chegar a um entendimento."

Apesar das dificuldades, o entusiasmo era generalizado entre os músicos. O sorriso de Luís Vicente, trompetista lisboeta, membro dos Farra Fanfarra e mentor de diversos projectos, espelhava o seu contentamento. "Estou a adorar, a aprender imenso, e é uma honra poder desfrutar destes dias com um mestre do jazz e da música improvisada", diz. O trompetista salienta ainda a importância de aplicar estes ensinamentos no que fizer daqui para a frente: "Vou transportar isto para a maneira de tocar, para a maneira como vou pensar a música".

O saxofonista João Martins, membro de grupos como Space Ensemble, Lost Gorbachevs ou F.R.I.C.S., destaca a forma "honesta e produtiva" como Parker dirigiu a residência, fazendo com que cada um pensasse sempre muito bem no que estava a fazer e em formas de o melhorar. "Ele consegue dizer-nos que o que estamos a fazer não está à altura das suas expectativas, e que nem devia estar das nossas, mas consegue dizê-lo de uma forma que, em vez de nos deitar abaixo, nos lança para a frente. No meio da improvisação é refrescante ter um trabalho em que as pessoas têm disponibilidade, frontalidade e honestidade para dizer o que pensam sem receio de ferir susceptibilidades", reconhece.

João Lobo, baterista que hoje vive em Bruxelas, tendo já integrado o quinteto do célebre Enrico Rava, subscreve a relevância de trabalhar com Parker, acrescentando que esta foi também uma oportunidade para ficar a conhecer músicos com quem nunca se tinha cruzado, o que abriu as portas a futuras colaborações. 

Ter esta residência artística afastada da azáfama urbana, num cenário paradisíaco, foi para todos uma condição determinante para o sucesso. Vicente fala de Pedrógão Pequeno como "sítio inspirador", um "espaço ideal" que potencia a concentração. O director artístico Evan Parker concorda: "É um lugar muito especial, com as montanhas e o rio, é um ambiente perfeito para o nosso trabalho. Temos todas as condições para desenvolver a nossa música. É uma coisa utópica!".

Música e não só

Os músicos não foram os únicos privilegiados com esta residência promovida pelo Jazz ao Centro Clube em colaboração com a Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto. Isto porque a música também chegou directamente aos moradores da vila. 

Uma das apresentações ao vivo foi feita no Moinho das Freiras, um inesperado palco natural à beira do Zêzere, um lugar quase mágico, rodeado de vegetação, com pouca luz e a ligação a um grande túnel escavado na rocha. Na margem actuou um grupo de cordas (viola de arco, guitarra acústica, violoncelo, harpa e dois contrabaixos) e, no momento em que o concerto estava a chegar ao fim, começou a ouvir-se ao longe um estranho som: um grupo de sopros e percussões atravessava o túnel numa espécie de marcha solene até chegar à zona do "palco", fundindo-se com as cordas num final épico de uma noite que abriu com a banda da filarmónica da vila, que também quis juntar-se à festa.

Mas nem só de música e de músicos se fez a residência com Parker. O projecto inclui outras áreas da criação. Todas as actividades foram gravadas em áudio e vídeo, com a colaboração do técnico de som João P. Miranda, do Centro de Estudos Cinematográficos da Universidade de Coimbra e da dupla Walk Talk, estando prevista a realização de um documentário. O fotógrafo Nuno Martins esteve a fazer o registo permanente, não apenas dos momentos musicais, mas também dos informais - as suas imagens serão usadas numa reportagem a publicar na revista jazz.pt. Numa outra parceria, desta vez com a editora e associação de BD Chili com Carne, o ilustrador André Coelho retratou os músicos e daí deverá sair uma banda desenhada.

Para Nuno Martins, habituado a capturar imagens a partir do palco, esta foi "uma experiência única". Mais do que registar músicos a tocar, o fotógrafo quis "dar, através de pequenos detalhes, um vislumbre daquilo que aconteceu", a partir de uma forte empatia que, diz, surgiu muito naturalmente mal chegou a Pedrógão Pequeno. 

Para "promover o encontro e a interacção entre as pessoas", a artista plástica Rita Frazão trabalhou em duas vertentes: fez retratos dos músicos enquanto tocavam e recolheu elementos tipográficos da vila para depois fazer uma intervenção numa velha mesa de madeira usada para refeições e festas da filarmónica. 

Coisa boa para a terra

Nesta residência, que foi o mais importante evento do X-Jazz, sobrou ainda tempo para a descontracção, depois de cumpridas, é claro, as obrigações musicais. Entre mergulhos na piscina, "imperiais" ao fim da tarde, passeios pela vila e pelos trilhos da montanha e um ocasional medronho num dos cafés da região, os participantes pareciam viver em permanente estado de felicidade, o que se reflectiu na música produzida.

Como seria de esperar num lugar pacato como Pedrógão Pequeno, os habitantes da vila não ficaram indiferentes a toda esta animação. Atrás do balcão da mercearia, Ana Paula não percebe muito bem o que aquela gente toda andou por ali a fazer, mas fica contente que se fale na terra. No pequeno café, a vinte passos da filarmónica, sentiu-se o rebuliço, diz Arménio, que tirava dezenas de bicas sempre que havia um intervalo nos trabalhos. "Isto é uma coisa boa para a terra. Deviam fazer mais vezes."

O futuro parece querer fazer-lhe a vontade. A organização diz que a residência não se encerra com o concerto de sábado: "O trabalho com Parker tem de ter continuidade", defende Pedro Rocha Santos, presidente do Jazz ao Centro, abrindo a possibilidade de apresentar este projecto em festivais no estrangeiro, mas também de voltar a juntar o grupo de músicos para uma nova temporada com o saxofonista em Portugal.

"Estou muito contente por estar aqui e por vos conhecer a todos", disse o britânico no arranque da residência. "E não faço ideia daquilo que irá acontecer." Quando, na noite de sábado, os músicos subiram ao palco da Casa da Cultura da Sertã para o concerto final continuavam sem saber. Mas naquele momento todos tinham à disposição um conjunto alargado de novas ferramentas. E a vila estava lá para os ver.

 

publicado por JCM às 01:31 | comentar | favorito
20
Ago 12
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Ago 12

Que futuro para antigas fábricas abandonadas? (Público)

Que futuro para antigas fábricas abandonadas?

Por Conceição Melo

http://jornal.publico.pt/noticia/20-08-2012/que-futuro-para-antigas-fabricas-abandonadas-25096514.htm

A Fábrica de Fiação e Tecidos de Santo Thyrso foi uma das mais emblemáticas fábricas do Vale do Ave, coração da indústria têxtil e do vestuário português, tendo empregado nos seus tempos áureos mais de mil trabalhadores. Por este motivo, existe ainda hoje uma forte ligação sentimental da população para com este espaço. Pioneira no desenvolvimento industrial da região, esta fábrica não resistiu às mudanças estruturais do sistema económico e produtivo que, nos anos oitenta, colocaram desprotegidamente as nossas indústrias no mercado global. Fechou as suas portas em 1990.

Ultrapassando as suas competências estritas, a câmara municipal iniciou um longo processo para a aquisição deste património, aceitando o desígnio de manter viva a memória e a identidade coletivas. 

A requalificação da Fábrica de Santo Thyrso enquadra-se numa intervenção de regeneração urbana mais alargada que visa tornar as frentes ribeirinhas do rio Ave um espaço de sociabilidade e de fruição para todos os habitantes, turistas e visitantes de Santo Tirso, ao qual se associa a promoção de atividades culturais e económicas, criativas, urbanas, inovadoras e diferenciadoras. Este processo suportado por um Plano Municipal de Ordenamento do Território, o Plano de Urbanização das Margens do Ave, fundamentou uma candidatura bem-sucedida ao Polis XXI, Parcerias para a Regeneração Urbana, que possibilitou o acesso a financiamento comunitário e viabilizou a recuperação de parte significativa deste património.

São razões de ordem patrimonial e identitária e de ordem económica e social as que norteiam todo este projeto.

Memória e identidade são valores subjetivos. Neste caso, encontram-se associadas a um lugar, um espaço edificado e fabricado, que esteve ligado à história pessoal de muitos dos habitantes de Santo Tirso e à história económica do município e da região. A preservação desta memória coletiva não se faz sem a sua continuidade na contemporaneidade. E a dificuldade reside aí. Como preservar a memória e a identidade, fatores que contribuem para o bem-estar e a coesão social, adotando e adaptando o espaço a novos usos? Como conseguir que a população local se aproprie e faça seu este novo projeto? 

A apropriação implica a identificação com o objetivo e com o lugar socialmente produzido em continuidade, integrando o passado no novo uso e garantindo deste modo a sua viabilidade futura: ao significado cultural e histórico, há que acrescentar os novos significados trazidos pelas novas funções; à preservação da memória patrimonial, conseguida pela leitura interpretativa do edifício e da sua original função, haverá que adicionar a gerada pelas atividades que aqui se vão sedimentar. 

Mais do que a requalificação física do espaço pretende-se um verdadeiro projeto de regeneração urbana que obrigatoriamente pressupõe uma perspetiva evolutiva e vivencial do património. Não interessa ao município, não interessa à cidade, guardar estaticamente a memória do lugar, interessa recompô-la com novas vivências, abertas à comunidade local.

Este é o principal desafio do projeto: abri-lo ao exterior, divulgando-o externamente, estabelecendo parcerias e trazendo experiências e projetos para serem desenvolvidos no espaço da Fábrica de Santo Thyrso e, ao mesmo tempo, incorporar o saber fazer dos antigos operários têxteis, os métodos produtivos tradicionais da cultura local, fazendo-os coincidir na contemporaneidade.

É neste espaço e neste contexto, de elevado simbolismo e de projetado dinamismo, que está a ser concretizado sob o conceito de Quarteirão Cultural o projeto "Fábrica de Santo Thyrso", projeto este que configura, em nosso entender, um bom exemplo de uma operação de regeneração urbana. Oxalá se concretize.

publicado por JCM às 16:52 | comentar | favorito
10
Ago 12

A Almirante Reis

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publicado por JCM às 13:35 | comentar | favorito
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Ago 12

A revitalização das cidades e a cultura (artigo de opinião de José Jorge Letria)

A revitalização das cidades e a cultura

Por José Jorge Letria

http://jornal.publico.pt/noticia/10-08-2012/a-revitalizacao-das-cidades-e-a-cultura-25049620.htm

Basta ver a forma como os londrinos integraram William Shakespeare no circuito turístico-cultural que rodeia os Jogos Olímpicos para se perceber até que ponto a cultura pode contribuir para que uma grande cidade atraia públicos diversificados e alargue os horizontes e interesses de quem a visita por razões predominantemente desportivas. Mas também se poderia falar de Charles Dickens e do modo como está a ser comemorado em Londres o bicentenário do seu nascimento.

A verdade é que não é preciso dar como referência esta Londres olímpica para se demonstrar aquilo que é um facto há muito adquirido. Articulada de forma criativa e apelativa com a oferta turística, a cultura cria riqueza, emprego e fortalece as identidades locais, regionais e nacionais.

Outro exemplo a ter em conta é o de Genebra, que comemora da forma discreta que caracteriza tudo que os suíços fazem os 300 anos do nascimento do filósofo Jean-Jacques Rousseau, ao mesmo tempo que reforça o interesse dos visitantes pelo CERN, onde a descoberta da "partícula de Deus" reabriu o debate cada vez mais actual sobre a relação entre ciência e religião e sobre o modo como o infinitamente pequeno confrontado com o infinitamente grande nos deve levar a repensar muitas ideias feitas sobre a origem do Universo.

Mas voltemos a Rousseau, cujo contributo para modificar as concepções relacionadas com a organização da sociedade, com o papel da educação e com a própria ideia de revolução veio marcar toda a evolução do pensamento filosófico. Genebra celebra a obra e a vida desse ilustríssimo conterrâneo com uma grande exposição repartida por três espaços nobres da cidade que, sob o título genérico Vivant ou Mort, põe em destaque a relação do autor de O Contrato Social com os seus amigos e inimigos, mas também o egoísmo e a misoginia que marcaram a sua existência como homem e o levaram a abandonar os cinco filhos cuja paternidade nunca negou. Grandezas e misérias das grandes figuras da humanidade.

A avaliar pelo número de eventos promovidos em torno desta comemoração e pela quantidade de visitantes, poderá afirmar-se que Rousseau está ajudar Genebra a sentir ainda menos a crise que aflige tantas outras cidades desta Europa atormentada por crescentes incertezas e temores.

Mas, na mesma linha de pensamento, poderá dizer-se que Lisboa, à semelhança do que tem feito com reconhecido êxito Dublin com nomes como James Joyce ou Oscar Wilde, entre outros, tem condições para tirar muito mais partido da crescente popularidade internacional de Fernando Pessoa, escritor de génio que os turistas culturais procuram, nesse sossego desassossegado de quem gosta de encontrar nas cidades pelas quais se apaixona sinais que os remetem para os livros traduzidos que trazem na bagagem das suas descobertas e errâncias.

Há sempre mais a fazer quando se trata de colocar os pilares da cultura das cidades e dos países ao serviço da sua promoção internacional e da sua recuperação económica. Recentemente, o ministro do Património e da Herança Cultural da Irlanda revelou que cerca de 65% dos turistas que visitam a Irlanda o fazem movidos por interesses de índole cultural. Tendo-se presente estes factos e números, é forçoso reconhecer que esta Europa angustiada pela asfixia que a ditadura dos mercados financeiros lhe vai impondo deverá contar muito mais com a cultura para sobreviver, fornecendo a quem a cria e promove as condições materiais, fiscais, legislativas e organizativas para que esse desígnio seja cumprido para além da retórica mais ou menos circunstancial das boas intenções, que nunca chegaram para se ganhar o Céu.

 

publicado por JCM às 11:07 | comentar | favorito