'As narrativas da globalização' (Global City 2.0)
'Novas geografias sociais estão abrindo espaços inéditos de contestação pelos quais navegam as flotilhas da liberdade' (Saskia Sassen)
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'Organizações da sociedade civil, nem todas, mas muitas, querem atuar no plano global, sem utilizar sua capacidade para tanto. Porque não sabem lidar com um mundo também feito de globalizações laterais, umas conectadas às outras. Portanto, existe um potencial não realizado nessas organizações, e em seus projetos, justamente quando tantas frentes de batalha se abrem por aí. Essa sensação de estar conectado e, ao mesmo tempo, se sentir perdido no mundo de hoje é um dos dilemas da globalização.
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As antigas narrativas de vida e trabalho já não funcionam para um número cada vez maior de pessoas. Eis o espaço subjetivo no qual residem os jovens de hoje. Antigas narrativas já não lhes cabem. Estou certa de que, para muitos, é algo animador. Até porque muitos não desejam aquela estabilidade de vida que seus pais perseguiram. Mas, para a imensa maioria dos jovens nascidos em famílias pobres e vulneráveis, essa falta de narrativas pertinentes constitui uma zona de perigo.
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Existem múltiplas globalizações. A econômica, a corporativa, a financeira, a tecnológica. Nota-se nisso tudo certa tendência de desumanização da nossa vida e da nossa subjetividade. Mas outras globalizações também estão em curso, como a da sociedade civil, da defesa dos direitos humanos, das lutas pela preservação do meio ambiente, e essas nos humanizam de maneira profunda. Temos aí os sinais da emergência de um humanismo desnacionalizado, para o qual não é necessário sequer tornar-se um indivíduo cosmopolita. Basta ser humano e acreditar em certas causas. Digo que nem é preciso ser cosmopolita no sentido de que é possível estar envolvido, de forma local, com a denúncia ao torturador da prisão mais próxima ou com a fábrica que polui a água de seu bairro, e ao mesmo tempo totalmente consciente de que ao redor do mundo há outros como você.
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Cidades globais ..."São espaços complexos, carregados de contradições. Temos pelo menos 70 delas no planeta, cidades em que o poder corporativo se consolidou de forma espantosa, criando geografias da centralidade que hoje conectam lugares e pessoas, cruzando a histórica divisão entre Norte e Sul. Explico: as elites corporativas de São Paulo estão completamente integradas à geografia global do poder que inclui Nova York, Londres, Dubai. E há Pequim, Xangai, cidades que estão mudando a geografia do poder. Ao mesmo tempo, outras minorias, os vulneráveis, os desabrigados, os discriminados, enfim, os deslocados vão justamente encontrar espaço para seus projetos de vida, resistência e exigências aonde? Nas global cities. Devemos estudá-las. Precisamos entender como aqueles que são expulsos do interior, ou de suas pequenas cidades, encontram exatamente na cidade global o único lugar que ainda lhes resta para viver. Ainda que dormindo nas ruas.
http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,as-narrativas-da-globalizacao,562264,0.htm